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Maria José Oliveira
"50 Anos em Companhia"
18.03.2023 - 29.04.2023
Inauguração: 17.03.2023 a partir das 18h
Curadoria: Paula Parente Pinto
Expõe-se agora na Galeria Fernando Santos (Porto) uma mostra selecionada de obras que marcam o percurso artístico de Maria José Oliveira. A imagem do convite desta exposição, um saco perfurado que acompanha a artista há 50 anos, transporta de forma simbólica, os seus universos em viagem.
Uma das afirmações basilares de Maria José Oliveira é a de que “todos os materiais são bons; é preciso é
não ter medo”. Argila, tela crua, cartão, papel, pão, plástico, ferro ou borracha, materiais e objectos vários, em todos
celebra a respectiva essência e coloca algo de si. A sua cuidada e indiscriminada capacidade de experienciar torna-a
capaz de evocar inventários de relações improváveis e aparentemente indignas de nota, mas o que faz é comunicado
através dos objectos. Os seus actos são silenciosos. Interessada no transporte mágico das alquimias, na transformação
dos objectos e dos seus usos, na composição e decomposição dos materiais, nas passagens rituais da memória, cruza
no campo da estética e sob o testemunho de frágeis impressões, infinitas famílias e universos.
O universo instrumental desta artista é composto por materiais heteróclitos, não definidos pela aparente
especificidade de um qualquer projecto, mas antes reaproveitados do seu entorno, aceitando os seus desvios e
acidentes, com o intuito de renovar e enriquecer a matéria que parece já ter cumprido a respectiva função. As suas
construções simbólicas, tal como “a coluna vertebral ou o princípio do mundo” (2020) que aqui é mostrada, são
compostas por aglomerados de objectos que não se reduzem ao seu conceito abstracto nem sequer a si mesmos. Tal
como na definição de bricoleur de Lévi-Strauss, a artista “interroga todos estes objectos heteróclitos que constituem o
seu tesouro, a fim de compreender o que cada um deles poderia significar” e “contribuindo para definir um conjunto
a ser realizado, que no final será diferente do conjunto instrumental apenas pela disposição interna das partes”. O seu
significado reside numa história precedente, mas difere desta através das adaptações que sofreu para servir outros
usos.
À medida que o tempo passa, as suas obras tomam diferentes composições e nomes, e os elementos que as
compõem vão sofrendo ajustes e reorganizações, entre os elementos da experiência e herança pessoal de Maria José
Oliveira e aqueles encontrados abandonados na rua ou trazidos por amigos, mas sempre com a carga de se
relacionarem com algumas memórias ou afetos. As suas construções são simultaneamente fragmentos e universos que
se transformam pela via da viagem: transportam alguma parte da sua vida, sendo sempre metáforas. É a história
própria dos acidentes e a leitura da história como a construção de enredos que resultam de acasos que permite criar
construções simbólicas a partir de objectos concretos.
O bricoleur começa por recolher e conservar elementos díspares “em função do princípio de que isso pode
vir a servir”. A sua regra do jogo, como explica Claude Lévi-Strauss em “O Pensamento Selvagem”, é arranjar-se com
os “meios-limites”, pois o seu projecto “é o resultado contingente de todas as oportunidades que se apresentam para
renovar e enriquecer o estoque ou para mantê-lo com os resíduos de construção e destruição anteriores”. O bricoleur
tem a capacidade de cruzar universos, combinar imagens e conceitos, tal como na reflexão mítica ou na criação de
signos: jogar com a capacidade de representar algo diferente de si próprio, a meio caminho entre significado e
significante, entre imagem e conceito.
Os seus ritos oferecem-se como valor principal, obrigando a desconstruir a percepção instalada dos
materiais para aceder à constituição das memórias sensíveis. Para lá do presente visível, os ritos não são menos reais
que os objectos. Por isso Maria José Oliveira se interessa por objectos semelhantes que transportam diferentes cargas,
como as tampas e pegas das cerâmicas de Cabinda, povo em que as panelas assumem especiais formas (e
significados) para diferentes pessoas, não sendo usual a partilha das mesmas por pessoas com diferentes histórias de
vida. Todas as pegas e as tampas têm o mesmo uso, mas tal como os alimentos confecionados, transportam as marcas
e vivências do seu operador. Os objectos ou materiais cuja valência tem um determinado fim, são chamados para
mediar outros significados. Todos aqueles que presenteiam a artista com “tesouros” – que mais ninguém sabe como
reactivar – reconhecem, em ambas partes, uma outra possibilidade de sobrevivência. Esse diálogo produz uma
reorganização da estrutura dos objectos e atribui-lhes uma força equivalente à dos objectos-rituais.
Expõe-se agora na Galeria Fernando Santos (Porto) uma mostra selecionada de obras que marcam o
percurso artístico de Maria José Oliveira. A imagem do convite desta exposição, um saco perfurado que acompanha a
artista há 50 anos, transporta de forma simbólica, os seus universos em viagem.